Jessie Miranda

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Até nas flores encontra-se a diferença da sorte; umas enfeitam a vida, outras enfeitam a morte!

sábado, 6 de novembro de 2021

Colcha de retalhos

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Somos feitos de retalhos. E acredito que Almodóvar concorde comigo; que somos feitos de retalhos. Não digo isso por “a pele que habito” ou por suas cores, é talvez pelas cores eu diga sim, mas principalmente, pois sinto que a síntese de sua obra, é o quanto do outro desejamos que habite em nós. Todos seus personagens, positiva ou negativa, direta ou indiretamente; afetam-se, e por isso são feitos de retalhos do outro. E Claro que em suma, somos em maioria e essencialmente nós mesmos; mas, ainda assim, somos também feitos de um pedacinho do outro. E é muito fácil de perceber isso quando alguém que gostamos ou apenas admiramos parte. Lembramos-nos de tudo do outro que habita em nós. É como se tudo que fosse “materialmente“ da pessoa que habita dentro de mim, partisse junto. E fica aquela dor, aquele silêncio com um zumbindo incessante que nos ensurdece; fica aquele vazio, cheio de reticências...
Quer ver como realmente muito do outro nos ocupa? Se você costuma dizer: “Ô sofrência!”
É um pouco de Marília que está retalhado em você. Se você tem aproximadamente trinta anos um de seus primeiros bordões pode ter sido gritar “Avaalancheeeeeee” de Eduardo Galvão. Assim como bordões de personagens de Paulo Gustavo, de tantos outros que foram e de tantos que ainda estão aqui conosco. Poderia usar múltiplos exemplos. Nós somos nós mesmos, mas somos feitos de retalhos. Quem são as pessoas de quem você recolheu os retalhos que envolvem a sua alma? Para quem você pensa que cedeu retalhos? Gostaria de deixar mais de você em alguém, gostaria de ter mais do outro em você?
Recentemente perdi uma pessoa muito importante para mim e, ainda tem sido dias muito difíceis, alguns mais do que outros, mas, penso que o tamanho do vazio que fica quando alguém que amamos muito parte  é proporcional ao tamanho do retalho deixado por ela em nós.
Quanto maior o amor, o retalho de vida que o outro deixa em nós; maior é o luto, maior é a dor. E o nome disso é legado.  A dor da ferida aberta no luto, aos poucos vai sendo preenchida por todo o legado de quem partiu que fica em nós. E quando nos unimos para ver o retalho de quem partiu, entre os nossos que ainda estão aqui para apaziguar um pouco da dor, tenho certeza que, lá de cima, aquele viajante que amamos, exibe orgulhoso aos que também já partiram; a imensa colcha de retalhos que fez ao longo de toda a sua vida...