Jessie Miranda

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Até nas flores encontra-se a diferença da sorte; umas enfeitam a vida, outras enfeitam a morte!

quinta-feira, 6 de julho de 2017

ACENO

Essa escrita abaixo não é minha, mas, talvez fale de mim em uma época em que só havia sentimento sem estado.
Mas se o sentir é vivo, existia em cada caractere das lindas e das lágrimas que acariciavam seu rosto quando eu não podia.
Hoje, tomo seu texto para dar voz ao meu peito.

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Fica esse desconforto de se projetar à frente uma paixão cansada de se apaixonar, imersa na sensação de já ter encontrado seu porto definitivo e se afogado nas âncoras da sua própria vastidão. Fica essa desesperança, esse mormaço quente a fechar os poros para as ventanias do futuro. Fica essa fé efetiva aos crédulos e endurecidos do mundo, mas impotente aos poetas, aos loucos, aos amores, aos poetas loucos de amar.

Fica esse impulso de jogar a vida ao alto, sem me lembrar de que esta, há muito, já se atirara ao solo, os braços em forma de asa amputada. Fica essa sensação quase palpável do calor de uma respiração ofegante do passado, que dia a dia vai se partindo, a cada suspiro de saudade solto diante de uma frase, uma carta, de uma foto, esse pedaço de vida enquadrado. Fica essa vontade enjaulada, essa fera em descontrole, essa festa na masmorra.

Fica essa falta de adjetivos na boca e esse excesso de poesia nas carícias que não são de ninguém. Fica essa dor de crucificado, esse corpo atirado ao leito da insônia. Fica essa vida que persiste em viver, que não me abandona, nem me responde aos apelos. Fica esse telefone mudo, essa chave que não gira, essa porta que não range.

Fica essa inutilidade em escrever, essa insignificância de ser, essa perda de valor dos anéis, esse lamento pelos dedos que se foram. Fica esse boa-noite parco, esse abraço fosco, esse beijo seco, esse entrelaçar irrisório, essa prosa sem vontade. Fica essa vida besta de Drummond, essa metrópole travestida em cidadezinha qualquer.

Fica essa mesa cheia de contas, esse copo cheio de uma bebida que até então me era estranha, esse choro baixo. Fica essa mão estendida, esse lábio entreaberto e calado diante da falta de opções, esse presente despido de qualquer ansiedade.

Fica essa casa sonolenta, esse filme sem enredo, essa falta de atenção, esse dinheiro que sobra para tudo e é como se não sobrasse para nada. Fica esse consolo da solidão, inevitável redentora, mãe de todos os descrentes, a trazer nos braços serenos os motivos, os porquês, as regras de uma vida que não se explica por si mesma. Fica esse pacto com a morte, essa velha dama de botas escurecidas, que ri sarcasticamente da glória do meu desencontro, sem desconfiar que já se tornara, desde então, minha única amante.

ACENO
Por: Eric Brandão.

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